“Não quero tapar o sol com a peneira. Fazer o filme ficar mais aceitável...”
Aos 31 anos ele já integra a chamada “Nova Geração de Diretores Brasileiros”. Com um ar pensativo e sempre sorridente, Felipe Joffily, já dirigiu três curtas-metragem, diversos clipes e seriados para TV e, em fevereiro de 2006 lançará seu primeiro longa “Ódiquê?”, que conta com a participação de Eduardo Azevedo, Cauã Reymond e Alexandre Moretzohn.
Sem medo de dizer o que pensa, Felipe é um diretor que promete inovar a maneira de fazer cinema e, acima de tudo, provocar e levar a sociedade a uma reflexão mais profunda sobre si mesma.
Priscilla Oliveira – Como tudo começou?
Felipe Joffily – Eu na verdade comecei estudando publicidade na PUC. A gente não tinha muita opção de estudar cinema no Brasil, e no Rio, muito menos. O cinema estava muito em baixa também, então, não tínhamos muita referência, nem muitos motivos para querer fazer cinema, a não ser que você consumisse muito cinema e achasse que era possível viver daquilo. Eu achei que de repente, dentro da comunicação, da publicidade, eu poderia chegar mais perto daquilo que eu queria fazer, que era contar histórias. E aí comecei a estudar propaganda, fiquei meio cansado no final do curso, tranquei e fui pra Nova Iorque estudar cinema lá. Na época, eu estava começando a estagiar com o meu primo, José Joffily, no filme “Quem matou Pixote?”. Fiquei super impressionado e falei: “É isso que eu quero fazer da minha vida!”. Fui pra Nova Iorque, estudei dois anos lá; voltei, terminei o curso da PUC e aí me formei. Comecei a trabalhar com propaganda, porque fui absorvido pelo mercado da propaganda, só que dentro dessa estrutura, que no caso era a TECCINE, a produtora que eu trabalhava, eles tinham um aparato técnico bem grande, que só atendia propaganda e eu, estava vindo de uma escola de cinema, tinha as minhas vontades, meus desejos de filmar ficção, aí , fiz o curta “CANA”, usando a estrutura da produtora e vislumbrei, um dia, fazer aquilo vezes dez; poder pegar aquela estrutura, usar ela a meu favor para fazer um longa, contar uma história maior.
P.O.– Fale um pouco sobre “Ódiquê?”
F.J. – É um filme comportamental sobre jovens de classe média que estão caminhando ali, entre a marginalidade e a malandragem. É o dia em que esses três, quatro personagens no caso, cruzaram essa linha e deixaram de ser jovens rebeldes sem causa para se tornarem bandidos. É um filme que questiona o motivo da violência sem justificativa desses jovens; porquê que eles estão chegando a esse nível de comportamento, porquê essa barbaridade cotidiana nas vidas desses personagens. A gente apresenta isso como um retrato de como eles são, e por isso eu falo que é um filme bem comportamental, porque não é um filme moralista e eu não tento resolver o problema e nem apontar as causas desse problema e sim questionar: Ódio de quê?. “Ódiquê?” é uma contração de “ódio de quê?”, um neologismo que a gente questiona também. Então, a gente mostra bem como eles são, exatamente como eles são e levanta a questão que é discutir os fundamentos e essa transformação da classe média.
P.O.– Segundo alguns críticos, o filme possui cenas muito fortes que poderiam ser descartadas. O que você tem a dizer sobre isso?
F.J. – O filme, ele é real, então, eu não tenho muito como moralizar isso, descaracterizar o que é de verdade, pra fazer com que o filme fique mais apreciável por alguém, por ele ser menos ou mais violento. Essas mesmas condições, essas mesmas características que não se questionava muito em Cidade de Deus (filme de Fernando Meirelles) e sim a obra-prima do trabalho, principalmente um trabalho com fundamento realista, um filme extremamente realista, mas não da realidade da classe média, não da realidade do consumidor de cinema brasileiro hoje em dia. A classe média, às vezes se incomoda, mas é um choque muito grande porque a imprensa, que é mais intelectualizada e pensa isso como um fundamento social, tende a incentivar o filme. Isso é necessário para o debate, ta entendendo? E era essa a nossa intenção. Era mostrar como as coisas são, para que os educadores; para que meus pais pudessem ter conhecimento do que eles fazem para poder questionar ou tentar identificar algumas semelhanças nos filhos, ou enfim, desses jovens com o filme e, aí, poder discutir o porquê disso. Então, acho que isso é normal, eu esperava esse tipo de crítica em relação a essa violência, mas, essa violência é dos personagens e é daquela figura, não dos diretores. Eu não transformei a realidade para que ele ficasse mais grotesco, para que ele fosse mais apreciado pelos que gostam de filmes violentos. É um filme que infelizmente é isso. É isso que a gente precisava.
P.O. – Também disseram que, no final do filme, você tentou amenizar toda a violência que ocorreu no decorrer da obra...
F.J. – Não, aí eu discordo. Porque, primeiro, eu não tive a intenção de manipular a história a favor da aceitação ou não do filme, nem dos personagens. O fim, ele é tão decorrente da história quanto os meios do filme. Então, as conclusões, e eu sei porque eles estão querendo criticar a responsabilidade dessas pessoas, a impunidade, são todas questões que a gente critica todos os dias; a gente abre o jornal e vê impunidade de ponta a ponta, a gente vê violências e barbaridades que não chegam a conclusão nenhuma. A gente tem, enfim, a história do nosso país que é construída em cima de impunidades, em cima de desvio de recursos, de crimes não solucionados, dentro de seqüestros não solucionados e as pessoas que estão aí, que estão fazendo isso e isso acontece o dia inteiro. Então, isso faz parte do filme, a solução daquela história e ele era um golpe, tendo dado certo ou não é a condição daquela história. Foi o dia em que esses caras fizeram isso e saíram, no caso, impunes e isso tem que ser discutido também. Agora, o contrário seria se eu tivesse condenado eles de alguma forma no filme, porque nem sempre é verdade. Nem sempre eles são presos, nem sempre eles voltam a ser crianças, isso é muito indefinido.
Aos 31 anos ele já integra a chamada “Nova Geração de Diretores Brasileiros”. Com um ar pensativo e sempre sorridente, Felipe Joffily, já dirigiu três curtas-metragem, diversos clipes e seriados para TV e, em fevereiro de 2006 lançará seu primeiro longa “Ódiquê?”, que conta com a participação de Eduardo Azevedo, Cauã Reymond e Alexandre Moretzohn.
Sem medo de dizer o que pensa, Felipe é um diretor que promete inovar a maneira de fazer cinema e, acima de tudo, provocar e levar a sociedade a uma reflexão mais profunda sobre si mesma.
Priscilla Oliveira – Como tudo começou?
Felipe Joffily – Eu na verdade comecei estudando publicidade na PUC. A gente não tinha muita opção de estudar cinema no Brasil, e no Rio, muito menos. O cinema estava muito em baixa também, então, não tínhamos muita referência, nem muitos motivos para querer fazer cinema, a não ser que você consumisse muito cinema e achasse que era possível viver daquilo. Eu achei que de repente, dentro da comunicação, da publicidade, eu poderia chegar mais perto daquilo que eu queria fazer, que era contar histórias. E aí comecei a estudar propaganda, fiquei meio cansado no final do curso, tranquei e fui pra Nova Iorque estudar cinema lá. Na época, eu estava começando a estagiar com o meu primo, José Joffily, no filme “Quem matou Pixote?”. Fiquei super impressionado e falei: “É isso que eu quero fazer da minha vida!”. Fui pra Nova Iorque, estudei dois anos lá; voltei, terminei o curso da PUC e aí me formei. Comecei a trabalhar com propaganda, porque fui absorvido pelo mercado da propaganda, só que dentro dessa estrutura, que no caso era a TECCINE, a produtora que eu trabalhava, eles tinham um aparato técnico bem grande, que só atendia propaganda e eu, estava vindo de uma escola de cinema, tinha as minhas vontades, meus desejos de filmar ficção, aí , fiz o curta “CANA”, usando a estrutura da produtora e vislumbrei, um dia, fazer aquilo vezes dez; poder pegar aquela estrutura, usar ela a meu favor para fazer um longa, contar uma história maior.
P.O.– Fale um pouco sobre “Ódiquê?”
F.J. – É um filme comportamental sobre jovens de classe média que estão caminhando ali, entre a marginalidade e a malandragem. É o dia em que esses três, quatro personagens no caso, cruzaram essa linha e deixaram de ser jovens rebeldes sem causa para se tornarem bandidos. É um filme que questiona o motivo da violência sem justificativa desses jovens; porquê que eles estão chegando a esse nível de comportamento, porquê essa barbaridade cotidiana nas vidas desses personagens. A gente apresenta isso como um retrato de como eles são, e por isso eu falo que é um filme bem comportamental, porque não é um filme moralista e eu não tento resolver o problema e nem apontar as causas desse problema e sim questionar: Ódio de quê?. “Ódiquê?” é uma contração de “ódio de quê?”, um neologismo que a gente questiona também. Então, a gente mostra bem como eles são, exatamente como eles são e levanta a questão que é discutir os fundamentos e essa transformação da classe média.
P.O.– Segundo alguns críticos, o filme possui cenas muito fortes que poderiam ser descartadas. O que você tem a dizer sobre isso?
F.J. – O filme, ele é real, então, eu não tenho muito como moralizar isso, descaracterizar o que é de verdade, pra fazer com que o filme fique mais apreciável por alguém, por ele ser menos ou mais violento. Essas mesmas condições, essas mesmas características que não se questionava muito em Cidade de Deus (filme de Fernando Meirelles) e sim a obra-prima do trabalho, principalmente um trabalho com fundamento realista, um filme extremamente realista, mas não da realidade da classe média, não da realidade do consumidor de cinema brasileiro hoje em dia. A classe média, às vezes se incomoda, mas é um choque muito grande porque a imprensa, que é mais intelectualizada e pensa isso como um fundamento social, tende a incentivar o filme. Isso é necessário para o debate, ta entendendo? E era essa a nossa intenção. Era mostrar como as coisas são, para que os educadores; para que meus pais pudessem ter conhecimento do que eles fazem para poder questionar ou tentar identificar algumas semelhanças nos filhos, ou enfim, desses jovens com o filme e, aí, poder discutir o porquê disso. Então, acho que isso é normal, eu esperava esse tipo de crítica em relação a essa violência, mas, essa violência é dos personagens e é daquela figura, não dos diretores. Eu não transformei a realidade para que ele ficasse mais grotesco, para que ele fosse mais apreciado pelos que gostam de filmes violentos. É um filme que infelizmente é isso. É isso que a gente precisava.
P.O. – Também disseram que, no final do filme, você tentou amenizar toda a violência que ocorreu no decorrer da obra...
F.J. – Não, aí eu discordo. Porque, primeiro, eu não tive a intenção de manipular a história a favor da aceitação ou não do filme, nem dos personagens. O fim, ele é tão decorrente da história quanto os meios do filme. Então, as conclusões, e eu sei porque eles estão querendo criticar a responsabilidade dessas pessoas, a impunidade, são todas questões que a gente critica todos os dias; a gente abre o jornal e vê impunidade de ponta a ponta, a gente vê violências e barbaridades que não chegam a conclusão nenhuma. A gente tem, enfim, a história do nosso país que é construída em cima de impunidades, em cima de desvio de recursos, de crimes não solucionados, dentro de seqüestros não solucionados e as pessoas que estão aí, que estão fazendo isso e isso acontece o dia inteiro. Então, isso faz parte do filme, a solução daquela história e ele era um golpe, tendo dado certo ou não é a condição daquela história. Foi o dia em que esses caras fizeram isso e saíram, no caso, impunes e isso tem que ser discutido também. Agora, o contrário seria se eu tivesse condenado eles de alguma forma no filme, porque nem sempre é verdade. Nem sempre eles são presos, nem sempre eles voltam a ser crianças, isso é muito indefinido.
A gente teve um presidente que fez e aconteceu, a infância do nosso presidente Fernando Collor, o histórico dele, com comportamento de classe média de alta classe é super questionável e ele virou presidente do país, sacou? Então, onde esses caras vão chegar, eu não sei. Teve gente que chegou e falou assim: “Adoro seu filme, achei ele perfeito, mas eu acho que no final você devia subir um letreiro e dizer que o Tito foi morto num tiroteio não sei onde”; queria que eu inventasse um fim qualquer que incriminasse de alguma forma, que responsabilizasse eles de alguma forma e, enfim, eu não sei quais são as possibilidades.
Eu to falando que naquele momento os caras se transformaram em bandidos e dali pra frente o que vai acontecer na vida deles, eu desconheço. O que eu estou querendo discutir é justamente porque eles se transformaram, como eles são, como eles se comportam, sobre o que eles falam. Não quero tapar o sol com a peneira. Fazer o filme ficar mais aceitável, fazer as pessoas falarem assim: : “Que bom que eles foram presos!”; mas não é isso que acontece. A gente é vítima desses jovens o dia inteiro; a gente anda com medo, deixa de estar em alguns lugares para não estar perto dessas pessoas e a gente fica se medindo, no dia a dia, nas coisas que a gente faz e isso fica meio sem explicação.
P.O.– Quais os critérios para a escolha do elenco?
F.J. – Eu queria trabalhar com um elenco desconhecido, pra não trazer nenhuma identidade. O Cauã, por exemplo, já estava, na época, fazendo Malhação e eu não queria trabalhar com o Cauã, porque ele ia trazer da Malhação, alguma coisa que não tinha a ver com o personagem. O empresário dele, o Antonio Amâncio, que estava me ajudando a selecionar esse elenco falou assim: “Pô, testa que o cara está afim. Ele está querendo se descaracterizar, está querendo mostrar um trabalho diferente”. E aí eu falei, tudo bem, vamos fazer uma leitura. Fiz uma leitura e ele me impressionou. Aí eu até pulei um pouco esse preconceito pra assumir o Cauã, porque eu achei que ele ia agregar mais, já que tinha se saído muito bem nos primeiros ensaios. Os outros, até então o Alexandre Moretzsohn, que faz o personagem do Monet, nunca tinha feito nada, foi o primeiro trabalho dele; o Dudu que faz o “Duda” no filme, estava fazendo Cazuza e algumas outras coisas, mas não tinha nada identificável com ele.
P.O.– Quais os critérios para a escolha do elenco?
F.J. – Eu queria trabalhar com um elenco desconhecido, pra não trazer nenhuma identidade. O Cauã, por exemplo, já estava, na época, fazendo Malhação e eu não queria trabalhar com o Cauã, porque ele ia trazer da Malhação, alguma coisa que não tinha a ver com o personagem. O empresário dele, o Antonio Amâncio, que estava me ajudando a selecionar esse elenco falou assim: “Pô, testa que o cara está afim. Ele está querendo se descaracterizar, está querendo mostrar um trabalho diferente”. E aí eu falei, tudo bem, vamos fazer uma leitura. Fiz uma leitura e ele me impressionou. Aí eu até pulei um pouco esse preconceito pra assumir o Cauã, porque eu achei que ele ia agregar mais, já que tinha se saído muito bem nos primeiros ensaios. Os outros, até então o Alexandre Moretzsohn, que faz o personagem do Monet, nunca tinha feito nada, foi o primeiro trabalho dele; o Dudu que faz o “Duda” no filme, estava fazendo Cazuza e algumas outras coisas, mas não tinha nada identificável com ele.
E é isso. Eu fiz testes com essas pessoas que tirei de escolas, cursos de teatro e tal, para pegar caras novas; selecionei o elenco principal, a história toda em cima deles e o resto, a gente foi aproveitando pessoas que a gente já conhecia, fazendo outros testes, através de casting, mas com esse objetivo de “caras novas”.
P.O. – Fale um pouco sobre o roteiro de “Ódiquê?”
F.J. – Esse roteiro tem uma história diferente, porque o Guga começou a escrevê-lo depois de assistir um filme chamado “O Ódio”, que é um filme francês de um cara “cascudo”, muito bom. Eu vi esse filme no Festival do Rio em 1995 e quando eu fui pra Nova Iorque em 1996, ele estava sendo lançado lá. Aí, assisti com o Guga, que pirou e resolveu que ia escrever uma história assim. E escreveu. Ele chegava em casa com folhas de caderno (risos), uma bagunça. Escreveu um história que era “Ódio de quê?”, ou não, nem era “ódio de quê?” na época, tinha um outro nome e depois que ele começou a escrever - e você vê como a essência do nosso trabalho de responsabilidade ao tema é grande - quando o Guga começou a escrever o roteiro, ele percebeu que não podia chamar o filme de “Ódio” porque ele não conseguia identificar da onde vinha o ódio daqueles personagens dele. No filme francês, o ódio tinha uma justificativa, os caras eram imigrantes, moravam no subúrbio parisiense, então, tinham um motivo para o ódio deles que é tratado no filme, tanto que eles o chamam de “O Ódio”. Ele (Guga) estava escrevendo as barbaridades que os caras estavam fazendo, mas porque eles estavam fazendo isso? Aí ele falou: “eu vou fazer uma referência ao filme também e vou chamá-lo de Ódio de quê?”, porque ele não conseguia identificar da onde vinha o ódio dos personagens dele e aí, nisso, ele foi desenvolvendo um raciocínio de “Pô, peraí! Deixa eu perguntar por quê a gente fazia isso, por quê meus amigos se comportavam assim, por quê tantas vezes ele chegou tão perto de virar bandido mesmo”. A troco de quê, isso aconteceu? E aí, a gente começou a estudar a classe média e os jovens de classe média. E aí, a melhor saída pra tudo foi, vamos fazer um filme sobre a verdade, porque, só a verdade pode defender a gente.
P.O. – Fale um pouco sobre o roteiro de “Ódiquê?”
F.J. – Esse roteiro tem uma história diferente, porque o Guga começou a escrevê-lo depois de assistir um filme chamado “O Ódio”, que é um filme francês de um cara “cascudo”, muito bom. Eu vi esse filme no Festival do Rio em 1995 e quando eu fui pra Nova Iorque em 1996, ele estava sendo lançado lá. Aí, assisti com o Guga, que pirou e resolveu que ia escrever uma história assim. E escreveu. Ele chegava em casa com folhas de caderno (risos), uma bagunça. Escreveu um história que era “Ódio de quê?”, ou não, nem era “ódio de quê?” na época, tinha um outro nome e depois que ele começou a escrever - e você vê como a essência do nosso trabalho de responsabilidade ao tema é grande - quando o Guga começou a escrever o roteiro, ele percebeu que não podia chamar o filme de “Ódio” porque ele não conseguia identificar da onde vinha o ódio daqueles personagens dele. No filme francês, o ódio tinha uma justificativa, os caras eram imigrantes, moravam no subúrbio parisiense, então, tinham um motivo para o ódio deles que é tratado no filme, tanto que eles o chamam de “O Ódio”. Ele (Guga) estava escrevendo as barbaridades que os caras estavam fazendo, mas porque eles estavam fazendo isso? Aí ele falou: “eu vou fazer uma referência ao filme também e vou chamá-lo de Ódio de quê?”, porque ele não conseguia identificar da onde vinha o ódio dos personagens dele e aí, nisso, ele foi desenvolvendo um raciocínio de “Pô, peraí! Deixa eu perguntar por quê a gente fazia isso, por quê meus amigos se comportavam assim, por quê tantas vezes ele chegou tão perto de virar bandido mesmo”. A troco de quê, isso aconteceu? E aí, a gente começou a estudar a classe média e os jovens de classe média. E aí, a melhor saída pra tudo foi, vamos fazer um filme sobre a verdade, porque, só a verdade pode defender a gente.
Qualquer coisa que a gente alterar pra lá ou pra cá, a gente corre o risco de perder completamente a defesa do filme, porque podia ser o contrário, da mesma forma que tem muita gente que critica que o filme é violento demais, que de repente, isso é uma proposta, uma linguagem em cima desse cult da violência; da mesma forma que nego critica isso, podia ser o contrário, eu podia ter dado um final pro filme, onde eles todos são algemados e presos, e aí, nego ia falar assim: “Que absurdo! Ninguém é preso no país!”. Agora, ninguém olha para aquilo e diz que é mentira, ninguém! Eu duvido que você veja qualquer matéria de alguém que viu o filme, dizendo que aquilo ali não acontece. É difícil, porque ninguém vai assumir essa responsabilidade.
P.O. – É, alias, a interpretação dos atores ficou bem real...
P.O. – É, alias, a interpretação dos atores ficou bem real...
F.J. – Eu ensaiei com os caras (atores) durante três meses para eles ficarem reais. Se você olhar para eles, por mais cariocas, regionais que eles sejam num filme (eu podia ter mudado até isso, eu podia ter tirado a forma do cara falar, para fazer com que ele fosse melhor em São Paulo, ou que ele vendesse melhor em Salvador), eu não podia mexer em nada, porque, qualquer coisa que eu mexesse ali, eu estaria descaracterizando a realidade daqueles personagens. A gente ensaiou pra caramba e tem gente que ainda fala: “é assustador, parece que é verdade!” e é a essência do nosso trabalho, a busca do nosso trabalho como retratistas, assim como artistas. Pro ator, então, quando alguém elogia ou quando as pessoas questionam: “Mas quanto daquilo era texto e quanto daquilo era improviso?”; aquilo pra eles é o maior elogio, porque a maior parte era texto. As pessoas acham que aquilo tudo era real. O Alexandre nunca tinha feito nada e está um grande ator; o Cauã descaracterizou completamente, o que ele tem de boy da globo. Então, isso é muito forte.
P.O.– Como foi a relação de trabalho entre você e Gustavo Moretzsohn?
F.J.– O Guga é meu parceiro. A gente estudou junto em Nova Iorque, eu já conhecia esse roteiro há muito tempo. Aí ele me deu pra dirigir. Agora, ele está dirigindo um documentário chamado “Rio Palestina”, que também fala de violência urbana, violência armada, enfim da guerra civil em que a gente vive e eu estou ajudando ele a produzir. Ele, agora, terminou de escrever o segundo tratamento do “Idade da Razão”, que é um filme que eu vou dirigir e o roteiro é dele. A gente vai manter essa parceria, porque sempre achei que eu fosse fazer filmes mais lúdicos.
P.O.– Como foi a relação de trabalho entre você e Gustavo Moretzsohn?
F.J.– O Guga é meu parceiro. A gente estudou junto em Nova Iorque, eu já conhecia esse roteiro há muito tempo. Aí ele me deu pra dirigir. Agora, ele está dirigindo um documentário chamado “Rio Palestina”, que também fala de violência urbana, violência armada, enfim da guerra civil em que a gente vive e eu estou ajudando ele a produzir. Ele, agora, terminou de escrever o segundo tratamento do “Idade da Razão”, que é um filme que eu vou dirigir e o roteiro é dele. A gente vai manter essa parceria, porque sempre achei que eu fosse fazer filmes mais lúdicos.
No Ódiquê?, a gente tinha um personagem a mais, que eu sugeri que a gente tirasse e isso mexeu muito com a história. Muitos diálogos foram reescritos pelos próprios atores, em função da habilidade deles de falarem determinadas falas. Somos muito amigos, então isso é fácil pra gente; um não tem “dedos” pra interferir no trabalho do outro, mas eu tento preservar a essência do trabalho dele e ele, a minha. Eu dou espaço pra ele fazer, comento, e ele vai lá e refaz. Eu não meto a mão. A mesma coisa é na direção. Ele mal vai ao set; no “Ódiquê?”, ele foi um dia, porque também não queria que a presença dele interferisse nos atores ou no meu trabalho. Então, a gente sabe se comportar perfeitamente bem juntos e pretendemos continuar fazendo isso.
P.O. – Você disse que pretendia fazer filmes lúdicos, no entanto, seu primeiro longa é considerado um filme realista. Foi difícil para você sustentar, defender a idéia do filme?
F.J. - Eu achava que ia fazer filmes mais lúdicos, mais românticos e tal, mas, sempre gostei muito do “Ódiquê?” por causa da identificação que eu tinha com aqueles personagens, por ter conhecido, ter tido amigos, vivenciado histórias semelhantes àquelas histórias bizarras, que eu contava para as pessoas e elas nem acreditavam que aquilo era possível. Todo mundo dizia a mesma coisa e eu achava que tinha que fazer um filme daquele jeito. Eu tinha medo dessa responsabilidade, tipo, como é que eu vou bancar que os caras são isso mesmo, e ao mesmo tempo, são bonitões? Parece que estou forçando a barra, pondo os garotos bonitos e malvados, assim, não é um cult à violência – eles são assim! É uma quebra de preconceito.
P.O. – Você disse que pretendia fazer filmes lúdicos, no entanto, seu primeiro longa é considerado um filme realista. Foi difícil para você sustentar, defender a idéia do filme?
F.J. - Eu achava que ia fazer filmes mais lúdicos, mais românticos e tal, mas, sempre gostei muito do “Ódiquê?” por causa da identificação que eu tinha com aqueles personagens, por ter conhecido, ter tido amigos, vivenciado histórias semelhantes àquelas histórias bizarras, que eu contava para as pessoas e elas nem acreditavam que aquilo era possível. Todo mundo dizia a mesma coisa e eu achava que tinha que fazer um filme daquele jeito. Eu tinha medo dessa responsabilidade, tipo, como é que eu vou bancar que os caras são isso mesmo, e ao mesmo tempo, são bonitões? Parece que estou forçando a barra, pondo os garotos bonitos e malvados, assim, não é um cult à violência – eles são assim! É uma quebra de preconceito.
Então, um filme violento não é só um filme de preto pobre. Filme violento hoje me dia, é filme de classe média. Não estou inventando essa história. Isso começou de um ano e meio, dois anos pra cá – o fenômeno “Pitboy” – essas coisas começaram há dois anos, mas já existem há dez, quinze anos, que neguinho está na balada, um quebrando a cara do outro; saindo com a arma do pai, dando tiro pra tudo quanto é lado, barbarizando. Fumando tudo, cheirando tudo. Eu tinha vontade, mas falei pra um amigo americano: “Olha não vou fazer esse filme, porque depois, vai ser difícil de explicar porque mantive o filme do jeito que ele é”. Por outro lado, a gente não queria transforma-lo num filme moralista. Eu quase deixei de fazer o filme. Aí o cara falou: “Melhor você fazer o filme assim, do que alguém fazer um filme comercial sobre esse mesmo assunto e descaracterizar o que é”. E aí, fiz esse filme aqui assim e não imaginava que meu primeiro filme já seria isso. Eu achava que ia fazer até filmes infantis, porque a gente consumiu muito o cinema dos anos 80; aquele cinema mágico do Spilberg, George Lucas, enfim, achava que era isso que eu ia fazer da minha vida, filmes maneiros, lindos, emocionantes, românticos, etc.
E fiz esse filme e tomei gosto por isso, pelo trabalho do Guga, que tem muita consistência nessas questões sociais.
P.O– Agora, vamos falar um pouco sobre o “Cinema Realidade”. Você pretende seguir essa linha nas próximas obras?
F.J. – Na verdade, assim, a gente acaba sendo um reflexo daquilo que a gente consome e acaba querendo botar no que a gente faz como arte, como exercício, qualquer coisa, aquilo que faz parte da nossa vida; aquilo que a gente tem conhecimento. Temos mais habilidade de falar daquilo que está próximo da gente.
E fiz esse filme e tomei gosto por isso, pelo trabalho do Guga, que tem muita consistência nessas questões sociais.
P.O– Agora, vamos falar um pouco sobre o “Cinema Realidade”. Você pretende seguir essa linha nas próximas obras?
F.J. – Na verdade, assim, a gente acaba sendo um reflexo daquilo que a gente consome e acaba querendo botar no que a gente faz como arte, como exercício, qualquer coisa, aquilo que faz parte da nossa vida; aquilo que a gente tem conhecimento. Temos mais habilidade de falar daquilo que está próximo da gente.
É...eu me formei em cinema, estudo cinema, trabalho com cinema e tenho condições de recriar uma outra condição, fazer um filme de época, fazer um filme regional – de repente de uma área que não seja a minha – você vai lá, estuda, pesquisa, trabalha, faz. Só que existe uma necessidade muito grande do cineasta, do produtor, do artista em transmitir essas angústias sociais que ele convive, presencia. Então, é um reflexo mesmo, orgânico eu acho, do artista, de pintar a obra que ele vê da janela dele ou ir para aquele lugar que ele quer retratar, aquilo que a ele interessa. Acho que isso é uma reação natural. A tendência é acontecer mais, porque tem uma geração nova querendo fazer cinema; porque está se discutindo muito o comportamento, a ética, o país. O país está olhando um pouco mais para ele, então, você vai ter documentários, também tem a revolução digital que proporciona outras condições de produzir cinema, que viabiliza que você expresse mais o que está sentindo. Mas o realismo também é questionável porque é uma coisa muito precisa. Quando você faz um filme realista, talvez não manipule tanto a favor do comercial ou de outros motivos que não seja representar a realidade num trabalho de arte. Então, os realistas mesmo, são poucos; talvez o Cidade de Deus, apesar de toda a estrutura narrativa dele e o comportamento do roteiro que é bem construído, bem dentro dos padrões e tal, eu caracterizo, como um filme realista. Já o “Carandiru” que é em cima de fatos reais, eu não caracterizo tanto como realista. É um filme muito moldado para ser comercial. Então, o realista é meio relativo também. Já o “Contra Todos”, por exemplo, eu acho um filme extremamente realista, porque preserva o personagem, a essência da trama e o drama, mais do que a condição estética da fotografia e tudo, funcionam em função do realismo.
P.O – Ódiquê? É considerado um filme independente, certo? Existem muitas questões acerca dessa definição. Para você o que é o cinema independente?
F.J. – Não existe uma definição e eu não vou me propor a te definir o que é. No meu ponto de vista, o cinema independente pra mim, é o cara que terminou de fazer faculdade agora e não vai olhar pra formato nenhum de nada. Ele vai pegar a câmera DV dele e vai sair atrás daquelas imagens, daquela história que ele queria contar; vai fazer aquilo. Seja DV, seja a 16 (mm) do amigo dele, seja a 35 (mm) do patrão da empresa dele...isso é independente: é você pegar e correr atrás daquilo que você quer e fazer o que você quer.
Como indústria, independente, é quando você está fazendo fora do mercado que, de certa forma, domina essa indústria. Como a gente ainda não tem uma indústria, a gente tem leis de incentivo, está todo mundo independente. Mas o mercado já está se definindo e aí, você já está começando a criar uma estrutura parecida com uma indústria, que são os mais poderosos, os mais fechados, que são os estúdios que mais estão produzindo e investindo em cinema, e, qualquer um que está fazendo fora disso, seria independente.
O independente vem do conceito de “independência” americano. Lá nos Estados Unidos, Hollywood e os grandes estúdios são a indústria e todo mundo que faz por fora é independente dessa indústria. Então, se no Brasil a gente tem alguma coisa que se pareça com uma indústria (e aí no caso, no meu ponto de vista, ainda não é), qualquer um que fizer fora, se torna independente.
P.O – Ódiquê? É considerado um filme independente, certo? Existem muitas questões acerca dessa definição. Para você o que é o cinema independente?
F.J. – Não existe uma definição e eu não vou me propor a te definir o que é. No meu ponto de vista, o cinema independente pra mim, é o cara que terminou de fazer faculdade agora e não vai olhar pra formato nenhum de nada. Ele vai pegar a câmera DV dele e vai sair atrás daquelas imagens, daquela história que ele queria contar; vai fazer aquilo. Seja DV, seja a 16 (mm) do amigo dele, seja a 35 (mm) do patrão da empresa dele...isso é independente: é você pegar e correr atrás daquilo que você quer e fazer o que você quer.
Como indústria, independente, é quando você está fazendo fora do mercado que, de certa forma, domina essa indústria. Como a gente ainda não tem uma indústria, a gente tem leis de incentivo, está todo mundo independente. Mas o mercado já está se definindo e aí, você já está começando a criar uma estrutura parecida com uma indústria, que são os mais poderosos, os mais fechados, que são os estúdios que mais estão produzindo e investindo em cinema, e, qualquer um que está fazendo fora disso, seria independente.
O independente vem do conceito de “independência” americano. Lá nos Estados Unidos, Hollywood e os grandes estúdios são a indústria e todo mundo que faz por fora é independente dessa indústria. Então, se no Brasil a gente tem alguma coisa que se pareça com uma indústria (e aí no caso, no meu ponto de vista, ainda não é), qualquer um que fizer fora, se torna independente.
P.O – Para finalizar, você tem novos projetos?
F.J. – Eu estou com outro roteiro do Gustavo Moretzsohn, chamado a Idade da Razão, que no caso, não vai ser um filme tão realista porque é um filme futurista. Então, vamos mudar um pouco as condições ou prever o que a gente acha que vai acontecer conosco no futuro. É um filme que também fala sobre jovens , fala um pouco mais sobre drogas, num Rio de Janeiro daqui quinze anos. É um filme futurista urbano, com jovens super poderosos. É uma história bem arrojada, mas interessante também.
by Priscilla Oliveira
* Publiquei o texto na íntegra e no formato "Pingue-Pongue", porque acho que fica mais completo desta forma.
* Publiquei o texto na íntegra e no formato "Pingue-Pongue", porque acho que fica mais completo desta forma.
** Não houve revisão do texto, nem nada disso, portanto, desculpe os erros!